[2020] Buscando um princípio de justiça

 

Buscando um princípio de justiça
Andrews Dubois Jobim

Apresentação:

A questão sobre a relação entre igualdade e liberdade é muito importante para a organização da estrutura da sociedade democrática em filosofia política. Diversos foram são os autores que propuseram as mais diversas soluções. Esta oficina é inspirada na abordagem de John Rawls. Esta apresenta uma solução a partir da ideia do contrato entre partes livres e iguais, assumindo que qualquer cidadão de uma mesma sociedade seria capaz de avaliar a justiça das instituições públicas (RAWLS, 2011). Essa avaliação seria possível a partir da posição original, isto é, um artifício representacional em que todos os aspectos contingentes da vida individual é ignorado por um “véu da ignorância”, estabelecendo um horizonte de equilíbrio e possibilitando um acordo entre as partes sem a influência de concepções de bem particulares.

Nesse sentido, esta atividade visa criar um horizonte de diálogo rico e plural inspirado no artifício de John Rawls, operando temas de relevância contemporânea e oportunizando o exercício de diversas competências. Destas, podemos destacar o uso do conhecimento para explicar e colaborar com a sociedade; o pensamento crítico para a formulação, sustentação e testagem de hipóteses baseadas em princípios racionais; a comunicação para o compartilhamento de experiências, sensações e ideias; a empatia no respeito às diferenças, pelo exercício do diálogo e cooperação; e a responsabilidade na tomada de decisões que visem o pleno exercício da autonomia de todos.

Justificativa:

É reconhecida a mudança de paradigma educacional em curso. São muitos os interesses visando renovações na escola, não apenas em sua estrutura, mas também na dinâmica como o aprendizado se dá. Muito se enfatiza a necessidade de adequação da educação às novas demandas do mercado de trabalho, que cada vez busca sujeitos flexíveis, criativos, responsáveis e comprometidos com o todo do processo produtivo. No entanto, para esta oficina será enfatizado outro aspecto que impulsiona essa mudança, a de uma educação crítica que forneça aos estudantes o instrumental necessário à atuação como agentes transformadores da realidade social. Essa ênfase se justifica pela urgente necessidade de criticamente lidar com uma inimaginável quantidade de informação transmitida pela Internet, que não deixa mais dúvida de seu poder político.

Estamos cada vez mais conectados, de um modo que desafia as concepções consolidas. A informação deixou de ser um problema, passando a estar ao alcance da mão de muitas pessoas logo na infância. Com um pequeno aparato eletrônico é possível acessar desde pequenas compilações de vídeos humorísticos até conteúdo acadêmico, tudo isso, sendo atravessado por diversas informações desencontradas ou falsas. Não é a toa que já há quem fale em uma nova etapa da evolução humana, o “homo zappiens” (VEEN; VRAKKING, 2009), isto é, as gerações que já nasceram com a Internet consolidada.

Este cenário reforça as constatações já apontadas por pesquisadores na área da educação, que cada mais passam a defender um ensino baseado em competências. Isso porque se percebeu que é preciso treinar como mobilizar as capacidades e conhecimentos; e que a escola não exercita suficientemente essa prática (PERRENOUD, 2000). Ou seja, não basta investir em um modelo proposicional de ensino, no qual o professor transmitiria informações apenas pela exposição, pois tão importante quanto possuir a informação, é saber operá-la. É preciso pensar modelos de ensino que ponham o aluno em relação com a informação, apresentando contextos diversos nos quais sejam necessárias criações e adaptações.

Nesse sentido, parece coerente que ao ensinarmos filosofia política, não limitemos o ensino a mera exposição de conceitos, correntes de pensamento e referenciais bibliográficos, mas que coloquemos os alunos em uma situação em que tenham de exercitar e aplicar aquilo que lhes foi informado. Partindo da definição de “competência” da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolução de problemas complexos da vida cotidiana (BRASIL, 2017), e do conjunto de competências que este documento lista, destacamos as seguintes competências trabalhadas nesta atividade que se vinculam à prática política: conhecimento para explicar e colaborar com a sociedade; o pensamento crítico para a formulação, sustentação e testagem de hipóteses baseadas em princípios racionais; a comunicação para o compartilhamento de experiências, sensações e ideias; a empatia no respeito às diferenças, pelo exercício do diálogo e cooperação; e a responsabilidade na tomada de decisões que visem o pleno exercício da autonomia de todos.

Com o exercício desse conjunto de competências, cremos ser possível sensibilizar os alunos a uma prática cidadã responsável, destacando o importante papel que exercem no jogo político.

Público:

10 a 20 pessoas.

Tema:

Princípios de justiça

Objetivo geral:

Proporcionar um contato íntimo com as dificuldades de determinação de um princípio de justiça social a partir do pensamento de John Rawls.

Objetivos específicos:

  • Pensar criticamente sobre uma questão fundamental à sociedade civil;

  • Cooperar na testagem de hipóteses;

  • Argumentar em defesa de seu ponto de vista;

  • Exercitar o diálogo e respeito às diferenças;

  • Compreender a responsabilidade que envolve a tomada de decisões.

Tempo:

50 minutos.

Espaço:

Suficiente para que os participantes possam sentar em um círculo.

Dinâmica:

Inicialmente os participantes sentarão em círculo. Cada um receberá um envelope fechado que guarda um cartão com características sociais (ANEXO 1). Os alunos não poderão abrir o envelope até o final da atividade. O professor explicará que a atividade consistirá na determinação de um princípio de justiça que orientaria uma sociedade constituída por eles enquanto portadores das características guardadas no envelope, as quais abrangem: Gênero, Cor, Sexualidade, Religiosidade e Classe social. O princípio de justiça que discutirão deve abranger a distribuição dos seguintes bens primários entre todos: Educação, Saúde, Segurança, Liberdade política, Renda e Riqueza. Os participantes serão desafiados a determinar um princípio ordenador de distribuição desses bens que seja justo, lembrando que, enquanto debatem, ainda não sabem que posição social ocupam na sociedade fictícia que compõem. O professor será o mediador e provocador, tensionando ideias e apontando suas implicações radicais – como por exemplo, um Estado forte demais pode ameaçar as liberdades individuais, ou um Estado ausente demais pode aprofundar desigualdades sociais. Após os participantes chegarem a um consenso, poderão abrir o envelope e decidir se encontraram ou não um princípio justo.

Materiais:

A atividade requer envelopes e cartões com as características sociais (ANEXO I).

Adaptações:

Mais cartões podem ser elaborados conforme a proposta do professor.

Função do/a professor/a:

O professor organizará o debate, garantindo que todos possam falar. Também exercerá papel de provocador durante a atividade, tensionando concepções apressadas. Contudo, deve atentar para não direcionar o andamento da discussão.

Conteúdos e funções:

Os alunos terão contato com a discussão em torno do conceito de “justiça”, não simplesmente pela contemplação de conceitos elaborados na história da filosofia, mas pela atuação na construção de um princípio próprio. Conceitos como “direito”, “liberdade”, “igualdade” e “democracia” também poderão ser operados, articulando a complexidade dessa discussão. Considerando que é uma proposta coletiva, que pressupõe o confronto com o diferente pelo debate, tanto o tema quanto a atividade oportunizam uma legítima experiência política e democrática. Valores como o respeito à fala do outro, a articulação e concatenação de argumentos e a responsabilidade pelas escolhas feitas são produtos possíveis desta atividade.

Avaliação:

Não há um resultado específico esperado. Como o processo será conduzido de forma coletiva, a avaliação também obedecerá esse princípio. A expectativa é que os participantes percebam as implicações do princípio de justiça eleito, não apenas abstratamente, mas concretamente. Portanto, a medida de avaliação da atividade deve considerar essa percepção pelo retorno que será dado pelos participantes em sua avaliação do resultado da discussão.

Referências:

BRASIL. Mistério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília-DF: MEC, Secretaria de Educação Básica, 2017.

PERRENOUD, P. Construindo competências [entrevista]. Nova Escola, v. 15, n. 135, p. 19-21, 2000.

RAWLS, J. O Liberalismo Político. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

VEEN, W.; VRAKKING, B. Homo Zappiens: educando na era digital Tradução de Vinícius Figueira. Porto Alegre: Arrmed, 2009.

ANEXO I

Mulher

Branca

Heterossexual

Protestante

Classe média

Mulher

Parda

Homossexual

Espírita

Classe alta

Homem

Pardo

Heterossexual

Muçulmano

Classe média

Homem

Branco

Heterossexual

Católico

Classe média

Mulher

Negra

Homossexual

Atéia

Classe baixa

Mulher

Parda

Heterossexual

Muçulmana

Classe média

Homem

Branco

Homossexual

Budista

Classe alta

Homem

Negro

Heterossexual

Ateu

Classe alta

Mulher

Negra

Heterossexual

Umbandista

Classe média

Mulher

Branca

Homossexual

Católica

Classe baixa

Homem

Negro

Heterossexual

Protestante

Classe baixa

Homem

Pardo

Homossexual

Tradições indígenas

Classe baixa


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